sexta-feira, 16 de setembro de 2011

As faces de João

João Ferreira Gomes, o homem que Ana Ferreira Gomes, sua mãe, dizia ser “sem juízo” transformou-se num exímio chefe de família, exemplo e orgulho para filhos e muitos netos. Foi homem enérgico, tratou os filhos debaixo de seus costumes, crenças e lei. Sua lei era da honestidade, trabalho e palavra. Homem tem que ter e ser de palavra, honrar o fio do bigode. Foi um paradoxo, austero e ao mesmo tempo carinhoso, cuidava das necessidades dos seus e tentava realizar os desejos de todos da família tentando dar a estes as maravilhas e conforto oferecido pela chamada modernidade.

Ilustrando:

João Ferreira quando comprou a casa de Campos foi numa loja chamada Casa Terra, demolida recentemente - 09/02/2011 e adquiriu toda mobília e utensílios para casa.
                                                                   
Imagens da Casa Terra no Corredor Cultual em Campos dos Goytacazes
Entre os utensílios uma novidade, fogão a lenha chamado de fogão econômico, diferente do usado na casa da Babosa fixo e barreado (cobertura de barro em cima de tijolo cru, alvenaria) era pesado, mas, móvel, de chapa, branco. A lenha usada era em pedaços pequenos diferente do conhecido cuja lenha usada era pedaços grandes, tora. Confira mais imagens.

Contudo a novidade, não se sabe se por má instalação, por peculiaridade ou outro motivo qualquer, sujava as paredes da cozinha que constantemente necessitavam de pintura. No fim da década de 50, aproximadamente entre 1957/58, João ficou sabendo da existência do fogão a gás, um fogão que nem as panelas sujava, que cozinhava e assava tudo, branco, as panelas a serem usadas não precisavam ser de ferro e principalmente o mais importante, não enfumaçava, não fazia sujeira. João ávido por novidades adquiriu o fogão. A novidade agradou tanto que se colocou um prato no fogo. O que aconteceu? O prato espatifou. O refratário ainda não havia sido descoberto ou não havia chegado à região.

Apesar de João tentar atender a todas as necessidades da família, talvez por sua austeridade, os filhos receavam quanto a apresentarem desejos ou pedidos. Sabe-se que os móveis adquiridos para a varanda, móveis de vime uma espécie de palha usada na fabricação de móveis, por pegarem sol começaram a ficar feios. As filhas que herdaram a vaidade do pai queriam móveis novos, mas quem ousava pedir. Eliza a caçula das mulheres foi quem encarou a “fera”. Contou-lhe sobre uns móveis de ferro que havia visto e que seria para toda vida. Acredito que esta não errou.
Os móveis usados até hoje 16/09/11
Quando chegou o dia de Eliza ir para casa de Campos, foi tomar benção como de costume, o pai depois de abençoá-la mandou que esta pega-se, no dinheiro das despesas, o valor para compra dos tais móveis, duas cadeiras e uma mesa, valor suficiente para compra à vista, o que foi feito. Alias tudo que João adquiria era a vista.

As duas histórias apresentadas servem simplesmente para corroborar a descrição de quem foi João Ferreira em seu temperamento e caráter.

Este mesmo homem de quem os filhos tinham receio, porque era severo, porque deles muitas vezes apanharam e ouviram gritos e broncas, este homem temido pelos filhos, mas que os atendia e na medida do possível realizava todos os seus gostos e desejos, cantava para os netos fazendo estes dormirem. Ele pegava as crianças, uma de cada vez, colocava debruço em suas pernas e dando nas nádegas leves tapinhas ritmados cantava uma cantiga cuja letra era mais ou menos assim:

     “Oh! Seu Romeu,
     Que sorte essa sua,
     Casar com uma mulher que acha tudo pela rua.
     Na Rua Uruguaiana onde ela acha de tudo.
     Foi lá que ela achou um casaco de veludo.

     Trá lá lá lá lá.
     Trá lá lá lá lá.

     Mulher não vai ao fado.
     Marido eu vou eu vou.”

Outras vezes na cantiga o verso em que dizia que a mulher achou um casaco de veludo era trocado por, "achou um Cadillac com chofer e tudo". Quando aquela criança adormecia, ele entregava o pequeno para a mãe que o colocava na cama, pegava outro e a cantiga reiniciava até que aquele também caísse no sono .

Muitas vezes adormeci sob este som. Oh! Doce infância, que bom que ainda vives em forma de lembranças.

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